terça-feira, 19 de abril de 2011

É por isto que gosto de Manel Cruz

"Estive, há dez minutos atrás, na varanda do meu quinto andar, a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela, perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de Universo.
Curiosamente, parece que é o único sitio que temos para passar a longa noite que nos espera. E é aí que eu saio para apanhar a frequência, como que a comer um ponto e a cagar um verso. No meu prisma, a encaixar; provavelmente no de outros, feito um filósofo de merda, mas a vida é isso mesmo: um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu.
Por isso nos pedem que caminhemos, alegres, para o precipício, sem questionar, porque estaremos sempre longe… Mas longe rapidamente fica perto e o perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo, mas eu sei que me entendes. Tu também tens medo de morrer, toda a gente tem… Só que normalmente invocamos montes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante, quando não tem importância nenhuma… Entretanto o tapete rola e nós irritamo-nos com uma inevitabilidade e nos nossos sonhos dizemos:
“Torna-me imortal, torna-me imortal, eu não vou aguentar deixar de existir!”
E é ai que eu entro para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos; tu não vês como eu empreendo?
E como eu e mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos braços de outros, acéfalos, na lotaria dos ideais, descrentes beijando o número do bilhete. Mas quero dizer-te que a viagem é tua e não quero empurrar-te à força para a rua. Se eu falhar vou passar de Deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira.
Mas a verdade é que ganhamos sempre…"

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